A proposta de reforma trabalhista apresentada pelo\r\ngoverno de Michel Temer no fim do ano passado não tem o novo como objetivo. Ao\r\ncontrário, fundamenta-se no arcaico para tratar com a nova onda de desafios,\r\nassociada à modernização das relações de trabalho no Brasil.
O governo Temer sabe que as proposições de alteração\r\nno atual código do trabalho são conhecidas de muito tempo, mas que seguem\r\nregularmente defendidas pelos interesses de sempre, contrários aos direitos de\r\ntrabalhadores e que jamais foram capazes de alcançar vitória em eleições\r\ndemocráticas. Por isso se apresentam com viabilidade no autoritarismo, buscando\r\npelo arbítrio alcançar o espaço necessário para desconstruir no que tem sido\r\nerigido por décadas de lutas sociais.
Consta que o fim da escravidão (1888) levou consigo\r\no Império, vigente por 67 anos após a Independência nacional (1822). A\r\nemergência do trabalho livre excluiu ex-escravos e parcela significativa da mão\r\nde obra mestiça para dar lugar ao ingresso de trabalhadores imigrantes.
Na época, a existência da primeira onda de\r\nglobalização capitalista (1878-1914) tornou livre não apenas os fluxos de\r\ncapitais, mas também o comércio externo e a imigração de mão de obra. O\r\nexcedente de trabalhadores que decorria do avanço da industrialização europeia\r\ne japonesa era apreciado pelos empregadores brasileiros frente ao desinteresse\r\nde incorporar a mão de obra nacional.
Até a década de 1930, antes da ascensão do primeiro\r\ngoverno de Getúlio Vargas (1930-1945), as escassas negociações entre capital e\r\ntrabalho nos mercados regionais de trabalho brasileiro eram reconhecidas como\r\nforça de lei. Mas diante do funcionamento do mercado de trabalho abundante de\r\nimigrantes europeus e asiáticos e acrescido da mão de obra nacional, os acordos\r\nsindicais eram frágeis aos interesses da classe trabalhadora.
A fundamentação do projeto de industrialização posta\r\nem marcha a partir da Revolução de 1930 trouxe consigo a modernização das\r\nrelações de trabalho num país que abandonava a primitiva e longeva sociedade\r\nagrária. Diante da legislação varguista, especialmente a Consolidação das Leis\r\ndo Trabalho (CLT), de 1943, estabelecida durante a segunda Guerra Mundial\r\n(1939-1945) que os acordos coletivos de trabalho realizados entre patrão e\r\nempregados se tornaram realidade.
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De lá para cá, as negociações de trabalho se\r\ntornaram flexíveis, desde que melhorar o que a CLT estabelece como uma espécie\r\nde patamar mínimo de regulação do funcionamento do mercado de trabalho. Neste\r\nsentido, o atual código de trabalho somente é rígido para o que representa\r\nrecuo ao patamar mínimo dos direitos sociais e trabalhistas em curso no Brasil.
E é justamente nesta questão que se assenta o eixo\r\nestruturador da proposição atual de reforma trabalhista. Diante do mais grave\r\ndesemprego da história do país, produzido pelas pela política contra produção e\r\nrenda do governo Temer e que enfraquece o sindicalismo, apresenta-se, mais uma\r\nvez, a propositura de os acordos de trabalho sobreporem à CLT.
A sobreposição possível, ressalta-se, seria\r\njustamente naquilo que rebaixa o patamar mínimo estabelecido pela CLT, pois se\r\nfosse para elevar os direitos sociais e trabalhistas não haveria necessidade de\r\nreforma alguma. Por isso, a reforma de Temer para o trabalho indica ao\r\npatronato a liberação ao rebaixamento das regras de uso e remuneração da força\r\nde trabalho.
Onde está escrito liberar, leia-se: redução do custo\r\ndo trabalho no Brasil. Ou seja, menor salário e menos direitos sociais e\r\ntrabalhistas, levando ao esvaziamento do poder de compra dos ocupados e o esfriamento\r\nainda maior do dinamismo do mercado interno de consumo.
*Marcio\r\nPochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de\r\nEstudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade\r\nEstadual de Campinas (Unicamp).
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